Por: Atualpa Ribeiro
Nos últimos dias, tenho comentado com colegas de trabalho, com minha esposa e até com minha terapeuta sobre o livro que estou lendo: "Uma Biografia da Depressão", de Christian Dunker. A leitura tem me feito refletir profundamente sobre como essa doença, mais do que uma condição clínica, parece atravessar séculos como uma expressão do sofrimento humano, uma espécie de "doença da alma".
Segundo o autor, em todas as épocas surgiram fenômenos sociais, culturais e espirituais que, de alguma forma, alimentaram o que hoje chamamos de depressão. Na Antiguidade, ela era conhecida como bílis negra — uma das quatro substâncias que, segundo a teoria dos humores, regulavam o corpo e o espírito. Ao longo do tempo, essa "melancolia" foi ganhando novas roupagens: na Idade Média, esteve ligada ao pecado e ao medo do inferno; no Renascimento, apareceu nas obras dos artistas e poetas como um traço do gênio criativo; e, a partir da modernidade, passou a ser vista como um problema psicológico ou psiquiátrico.
Durante os séculos XVIII e XIX, a depressão passou a ser institucionalizada dentro da medicina e da psiquiatria. Porém, ao invés de ser compreendida em sua complexidade, ela muitas vezes foi isolada em diagnósticos e tratada de forma fragmentada. No século XX, com o avanço da indústria farmacêutica, surgiu a crença de que pílulas seriam capazes de curar ou ao menos estabilizar o humor humano — uma promessa que, infelizmente, ignora as dimensões sociais e existenciais do sofrimento.
Dunker mostra como diversos acontecimentos históricos contribuíram para esse cenário: a opressão religiosa que impunha a busca por um céu quase inalcançável, a caça às bruxas, a transição do ser para o fazer — do valor intrínseco do ser humano para sua produtividade —, a ascensão do liberalismo econômico, a promessa de um progresso que nunca chegou para muitos, entre tantos outros fatores. Tudo isso alimentou um vazio interior, uma desconexão com o sentido da vida.
O autor compara a depressão a um deserto que, pouco a pouco, invade o espírito humano. Ela não chega de forma abrupta. Muitas vezes começa com um desânimo sutil, uma perda de interesse por atividades antes prazerosas, uma tristeza que se instala sem grandes explicações. É como se a vida fosse, lentamente, perdendo o sabor.
Na contemporaneidade, vivemos sob a lógica do desempenho, da produtividade e da exposição constante. Trabalhamos cada vez mais, acumulamos funções, projetos, metas e... postagens. Somos constantemente medidos por currículos, números, visualizações e likes. E, nesse ritmo, trocamos a experiência genuína da vida por uma performance incessante. Essa recusa, muitas vezes involuntária, de viver plenamente é um dos gatilhos mais sutis — e perigosos — da depressão moderna.
Por fim, a leitura do livro tem me feito entender que a depressão não é apenas uma questão individual, mas uma condição profundamente ligada à história da humanidade. E talvez, mais do que curá-la, seja preciso escutá-la. A depressão, como nos mostra Dunker, pode ser uma forma de resistência silenciosa a uma sociedade que nos exige demais e oferece pouco em troca.
Deprimir é inescapável, mas podemos entender, tratar e aprender a driblar esse "demônio".