O ensino,
mais do que a maioria das outras profissões, transformou-se, durante os últimos
cem anos, de uma pequena profissão altamente especializada referente apenas a
uma minoria da população, num grande e importante ramo do serviço público. Essa
profissão tem uma grande e honrosa tradição, que se estendeu desde o raiar da
história até tempos recentes, mas qualquer professor do mundo moderno que se
permite ser inspirado pelos ideais de seus predecessores está sujeito a
perceber claramente que a sua função não é ensinar o que ele acha que deve
ensinar, mas disseminar crenças e preconceitos que possam ser considerados
úteis por aqueles que são os seus empregadores. Em outras épocas esperava-se
que um professor fosse um homem de conhecimento ou sabedoria excepcionais, em
cujas palavras os homens faziam bem em atentar. Na
os professores
não constituíam uma profissão organizada, não se exercendo controle algum sobre
o que ensinavam. É verdade que, com freqüência, eram punidos, depois, pelas
suas doutrinas subversivas. Sócrates foi condenado à morte e afirma-se que
Platão foi lançado à prisão, mas tais incidentes não interferiram com a
divulgação de suas doutrinas.
Qualquer
homem que possua o impulso genuíno de professor mostrar-se-á mais ansioso de
sobreviver em seus livros do que em sua própria carne. Um sentimento de
independência intelectual é essencial ao desempenho adequado das funções do
professor, já que a sua tarefa é instilar o que sabe a respeito do conhecimento
e da razoabilidade no processo de formar a opinião pública. Na Antiguidade,
desempenhava ele livremente as suas funções, exceto quando se verificavam
intervenções espasmódicas e inefetivas por parte de tiranos ou de multidões. Na
Idade Média, o ensino tornou-se prerrogativa exclusiva da Igreja Católica,
tendo como resultado pouco progresso, quer intelectual, quer social. Com o
Renascimento, o respeito geral pela cultura trouxe de novo considerável grau de
liberdade ao professor. É verdade que a Inquisição obrigou Galileu a retratar-se
e queimou Giordano Bruno na fogueira, mas ambos já haviam realizado o seu
trabalho antes de serem punidos. Instituições tais como as universidades
permaneceram, em grande parte, nas garras dos dogmatistas, resultando daí que a
maioria do melhor trabalho intelectual foi feito por homens de cultura
independente. Na Inglaterra, principalmente, até quase o fim do século
dezenove, dificilmente se encontravam homens verdadeiramente proeminentes, com
exceção de Newton, que estivessem ligados a universidades. Mas o sistema social
era tal que isso pouco interferia com as suas atividades ou a sua utilidade.
Em nosso
mundo altamente organizado, deparamos com um novo problema. Algo que se chama
Educação é ministrado a toda gente, geralmente pelo Estado, mas também, às
vezes, pelas Igrejas. O professor transformou-se, assim na grande maioria dos
casos, num servidor cortês obrigado a executar as ordens de homens que não têm
a sua cultura, não dispõem de experiência quanto ao trato da juventude, e cuja
única atitude com respeito à educação é a de um propagandista. Não é muito
fácil de ver-se de que maneira podem os professores, em tais circunstâncias,
realizar as funções para as quais estão especialmente adequados.A educação pelo
Estado é obviamente necessária, mas, de maneira igualmente óbvia, envolve
certos perigos contra os quais deve haver certas precauções. Os males que há a
temer puderam ser vistos, em sua plena magnitude, na Alemanha nazista, podendo,
ainda hoje, ser observados na Rússia. Onde tais males prevalecem, homem algum
pode ensinar, a menos que subscreva um credo dogmático que poucas pessoas de
inteligência livre são capazes de aceitar sinceramente. Não apenas deve ele
subscrever um tal credo, mas, ainda, ser indulgente diante de abominações, abstendo-se
de manifestar suas opiniões a respeito de assuntos correntes. Enquanto tal
homem estiver apenas ensinando o alfabeto e a tabuada, os quais não despertam
controvérsias, os dogmas oficiais não deturpam, necessariamente, a instrução
por ele ministrada; mas mesmo quando se acha ensinando esses elementos,
espera-se, nos países totalitários, que ele não empregue os métodos que lhe
pareçam os mais capazes de produzir os melhores resultados didáticos, mas que
inculque medo, subserviência e obediência cega, exigindo indiscutível submissão
à sua autoridade. Logo que passa além dos simples elementos, é obrigado a
adotar a opinião oficial em tudo o que se refere a questões controvertidas.
O resultado
disso é que os jovens se tornaram na Alemanha nazista – e ainda o são na Rússia
– intolerantes fanáticos ignorantes do mundo existente fora de seus países,
desacostumados inteiramente à discussão livre e incapazes de perceber que as
suas opiniões possam ser discutidas sem maldade. Tal estado de coisas, mau como
é, seria menos desastroso se os dogmas inculcados fossem, como no catolicismo
medieval, não só universais como, também, internacionais. Mas toda a concepção
de uma cultura internacional é negada pelos dogmatistas modernos, os quais
pregaram um credo na Alemanha, outro na Itália, outra na Rússia e ainda outro
no Japão. Em cada um desses países, o nacionalismo fanático era o que mais se
ressaltava no ensino dos jovens, resultado daí que os homens de um país não têm
nenhuma base em comum com os homens de outro, e que nenhuma concepção de uma
civilização comum se coloque no caminho de um ferocidade belicosa.
A decadência
do internacionalismo cultural continuou de maneira cada vez mais acentuada
desde a Primeira Guerra Mundial... Há países em que o aprendizado do nacionalismo
é menos extremo, mas não deixa de ser, em toda parte, muito mais forte do que
era antes. Há uma tendência na Inglaterra e nos Estados Unidos para se
dispensar os professores franceses e alemães encarregados do ensino de francês
e alemão. A prática de se considerar a nacionalidade de um homem, em vez da sua
competência, ao designá-lo para um posto, é prejudicial à educação, além de
constituir uma ofensa ao ideal da cultura internacional, que foi uma herança
por nós recebida do Império Romano e da Igreja Católica, mas que está agora
sendo submergida por uma nova invasão bárbara, procedente mais de baixo do que
de fora.Em países democráticos, tais males ainda não atingiram nada que se
possa compara a essas proporções, mas deve-se admitir que há grave perigo de
que semelhantes manifestações se verifiquem na educação, e que esse perigo só
poderá ser evitado se aqueles que acreditam na liberdade de pensamento
estiverem alerta, a fim de proteger os professores contra a escravidão
intelectual. Talvez o primeiro requisito para isso seja uma concepção clara dos
serviços que podem ser esperados do professor em benefício da comunidade. Todos
concordam com os governos do mundo em que a disseminação de informação de
caráter positivamente não controvertível é uma das funções menos importantes do
professor. Essa é, certamente, a base em que se elaboram todas as demais e,
numa civilização técnica como a nossa, isso tem, indubitavelmente considerável
utilidade. Deve existir numa comunidade moderna um número suficiente de homens
que possua a habilidade técnica necessária à preservação do aparelhamento
mecânico do qual depende o nosso conforto material. Além disso, é inconveniente
que uma grande parte da população não saiba ler nem escrever. Por essas razões,
somos todos a favor da educação compulsória universal.
Mas os
governos perceberam que é fácil, no decurso de tal instrução, inculcar crenças
relativas a assuntos passíveis de controvérsia, produzindo hábitos mentais que
podem ser convenientes ou inconvenientes aos que se acham à testa do governo. A
defesa do Estado, em todos os países civilizados, está tanto nas mãos dos
professores como nas das pessoas que pertencem às forças armadas. Exceto nos
países totalitários, a defesa do Estado é desejável, e o simples fato de a
educação ser usada para tal propósito não constitui, por si só, motivo para
crítica. A crítica só surgirá se o Estado for defendido pelo obscurantismo e
apelar para a paixão irracional. Tais métodos são inteiramente desnecessários
no caso de um Estado digno de ser defendido. Não obstante, há uma tendência
natural no sentido da sua adoção por aqueles que não possuem conhecimento de
primeira mão relativa à educação. Acha-se muito difundida a crença de que as
nações se tornam fortes pela uniformidade de opinião e pela supressão da
liberdade. Ouve-se dizer, repetidamente, que a democracia enfraquece um país na
guerra, apesar do fato de, em cada guerra importante desde o ano de 1700, a
vitória ter ficado nas mãos do lado mais democrático. As nações têm sido levadas
à ruína, de maneira muito mais freqüente, devido mais à insistência quanto a
uma uniformidade doutrinal acanhada do que devido à discussão livre e à
tolerância de opiniões divergentes.
Os
dogmatistas do mundo inteiro acreditam que, embora eles próprios conheçam a
verdade, os outros serão levados a crenças falsas, se lhes for permitido ouvir
os argumentos apresentados por ambas as partes. Esta é uma opinião que conduz a
um ou outro destes dois infortúnios: ou um grupo de dogmatistas conquista o
mundo e proíbe todas as idéias novas, ou, o que é pior, os dogmatistas rivais
conquistam regiões diferentes e pregam o evangelho do ódio contra o outro
grupo. O primeiro deste males existiu durante a Idade Média; o último, durante
as guerras religiosas e, novamente, em nossos dias. O primeiro torna a
civilização estática; o segundo tende a destruí-la completamente. Contra ambos,
o professor deve ser a principal salvaguarda.
É óbvio que o
espírito partidário organizado constitui um dos maiores perigos de nossa época.
Na forma de nacionalismo, conduz a guerras entre nações e, nas outras formas,
leva à guerra civil. Deveria ser tarefa dos professores manter-se fora das
lutas partidárias e procurar inculcar na juventude o hábito da investigação
imparcial, fazendo com que julgue as questões pelos próprios méritos destas e
se mantenha em guarda contra a aceitação de afirmações ex parte, apenas pelo
seu valor aparente. Não se devia esperar que o professor lisonjeasse os
preconceitos quer da multidão, quer dos alto funcionários do Estado. Sua
virtude profissional deveria consistir numa presteza em julgar com isenção de
ânimo ambas as partes, emprenhando-se por elevar-se acima da controvérsia e
manter-se numa região de investigação científica imparcial. Se há pessoas para as
quais o resultados das suas investigações possa ser inconveniente, deveria ele
ser protegido contra o seu ressentimento, a menos que se possa provar haver ele
se dedicado a uma propaganda desonesta, mediante a disseminação de inverdades
demonstráveis.
A função do
professor, porém, não é somente atenuar a violência das controvérsias. Tem ele
tarefas mais positivas a realizar, e não pode ser um grande professor a menos
que seja inspirado pelo desejo de realizar tais tarefas. Os professores são,
mais do que qualquer outra classe profissional, os guardiães da civilização.
Deveriam estar intimamente cônscios do que é a civilização, bem como desejosos
de comunicar um atitude civilizada aos seus alunos. Somos, assim, levados à
pergunta: que constitui uma comunidade civilizada?Tal pergunta poderia ser
respondida, comumente, tendo-se em vista apenas testes materiais. Um país é
civilizado se tiver muitas máquinas, muitos automóveis, muitos banheiros e uma
grande quantidade de meios rápidos de locomoção. Na minha opinião, a grande
maioria dos homens modernos atribui a tais coisas demasiada importância. A
civilização, no sentido mais importante, é uma coisa do espírito, e não
acréscimos materiais ao lado físico da vida. É, em parte, uma questão de
conhecimento e, em parte, uma questão de emoção. Quanto ao que diz respeito ao
conhecimento, o homem deveria ter consciência da sua própria pequenez e do seu
meio imediato em relação ao mundo no tempo e no espaço. Deveria encarar o seu
próprio país não apenas como o seu país, mas como um dentre os demais países do
mundo, todos eles com igual direito de viver, de pensar e de sentir. Deveria
ver a sua própria época em relação ao passado e ao futuro, percebendo que as
suas próprias controvérsias parecerão tão estranhas às épocas futuras como hoje
nos parecem as controvérsias das épocas passadas. Adotando-se um ponto de vista
ainda mais amplo, deveria ter consciência da vastidão das épocas geológicas e
das enormes distâncias astronômicas; mas deveria ter consciência de tudo isso
não como um peso que esmagasse o espírito da criatura humana, mas como um vasto
panorama que alargasse a mente que o contemplasse. Quanto ao que diz respeito
às emoções, é necessário, para que um homem seja verdadeiramente civilizado, um
alargamento bastante idêntico de perspectiva, partindo do que é puramente
pessoal. Os homens vão do nascimento à morte às vezes felizes, às vezes
infelizes; às vezes generosos, outras vezes avaros e mesquinhos; às vezes
heróicos, outras vezes covardes e servis. Para o homem que encara esse desfile
como um todo, certas coisas se sobressaem como dignas de admiração.
Certos homens
foram inspirados por amor à humanidade; outros, pelo intelecto supremo, nos
ajudaram a compreender o mundo em que vivemos; e alguns outros, mediante sensibilidade
excepcional, criaram beleza. Tais homens produziram algo de bom e positivo para
contrabalançar o longo registro de crueldade, opressão e superstição. Tais
homens fizeram tudo que estava em seu poder para tornar a vida humana uma coisa
melhor do que a breve turbulência dos selvagens. O homem civilizado, quando não
pode admirar tem eme mente mais a compreensão do que a reprovação. Procurará
antes descobrir e remover as causas impessoais do mal do que odiar os homens
que se encontrem em suas garras. Tudo isto deveria estar na mente e no coração
do professor, pois, se isto estiver em sua mente e em seu coração, procurará
transmitir tal coisa aos jovens que se acham sob os seus cuidados.Homem algum
poderá ser um bom professor se não tiver sentimentos de cálida afeição para com
os seus alunos, bem como um desejo sincero de comunicar-lhes o que ele próprio
considera de valor.
Para o
propagandista, os seus alunos são soldados em potencial de um exército. Estão
destinados a servir a propósitos alheios à suas próprias vidas, não no sentido
em que cada propósito generoso transcende o próprio eu, mas no sentido de
contribuir para privilégios injustos ou para um poder despótico. O
propagandista não deseja que os seus discípulos observem o mundo e escolham livremente
um propósito que lhes pareça valioso. Deseja, como um artista podados, que o
seu desenvolvimento seja exercitado e retorcido no sentido de adaptar-se ao
propósito do jardineiro. E, ao contrariar o seu desenvolvimento natural,
torna-se apto a destruir neles todo o generoso vigor, substituindo-o pela
inveja, pelo espírito de destruição e pela crueldade. Não há necessidade de que
os homens sejam cruéis; ao contrário, estou persuadido de que a maior parte da
crueldade é resultado de se contrariar os impulsos dos primeiros anos,
principalmente os impulsos no sentido do que é bom.As paixões repressivas e de
perseguição são muito comuns, como a situação atual do mundo o prova
amplamente. Mas não constituem parte inevitável da natureza humana. Pelo
contrário, são sempre, creio eu, resultado de alguma espécie de infelicidade.
Deveria ser uma das funções do professor abrir novas perspectivas aos seus
alunos, mostrando-lhes a possibilidade de atividades não só agradáveis como
úteis, libertando, assim os seus impulsos generosos e impedindo o
desenvolvimento do desejo de roubar aos outros as alegrias que lhes faltam.
Muita gente se refere com desprezo à felicidade como um fim, mas pode-se
suspeitar de que se trata de criaturas amargas. Uma coisa é renunciar à própria
felicidade tendo-se em vista uma finalidade pública; mas é inteiramente
diferente tratar-se a felicidade geral como se fosse coisa sem importância. No
entanto, isso é feito, freqüentemente em nome de algum suposto heroísmo. Há, em
geral, nas pessoas que adotam tal opinião, um veio de crueldade, baseado,
provavelmente, em inveja inconsciente, sendo que a fonte dessa inveja será
encontrada, quase sempre, na infância ou na juventude.
O educador deveria ter por objetivo educar adultos
livres desses infortúnios psicológicos, que não se mostrem ansiosos de privar
os outros da felicidade porque eles próprios foram privados dela.Como as coisas
se encontram hoje em dia, muitos professores se acham incapazes de dar o melhor
que podiam de si mesmos. Há várias razões para isso, algumas das quais mais ou
menos acidentais, e outras profundamente enraizadas. Começando pelas primeiras
dessas razões, convém dizer que a maioria dos professores se acha
sobrecarregada de trabalho, sendo eles obrigados a preparar os seus alunos
apenas para os exames, em vez de lhes ministrar um treino mental generoso. As
pessoas que não estão acostumadas a ensinar – e isto inclui, praticamente,
todas as autoridades educacionais – não têm idéia do dispêndio de inteligência
que isso envolve. Não se espera que os padres façam sermões, todos os dias,
durante várias horas, mas um esforço análogo é exigido dos professores. O
resultado disso é que muitos deles ficam esgotados e nervosos, alheios às obras
recentes sobre as matérias que ensinam, e incapazes de inspirar aos seus alunos
a sensação de prazer intelectual que se obtém através de uma nova compreensão e
de um novo conhecimento. Isso não constitui, no entanto, de modo algum, a
questão mais grave.
Na maior
parte dos países, certas opiniões são reconhecidas como corretas, enquanto que
outras são tidas como perigosas. Espera-se que os professores cujas opiniões
não são corretas se mantenham calados a respeito delas. Se mencionam as suas
opiniões, isso é considerado propaganda, enquanto que a referência a opiniões
corretas é considerada como sendo simplesmente instrução sólida. O resultado
disso é que as vozes perquiridoras têm com freqüência de sair para fora da sala
de aula a fim de descobrir o que é que pensam os espíritos mais vigorosos da
sua época. Há nos Estados Unidos uma matéria chamada Instrução Cívica, na qual,
mais do que em qualquer outra, se deverá esperar que o ensino conduza a
caminhos errados. Ensinam aos jovens, numa espécie de compêndio que parece
feito em copiador, como é que se supõe que os assuntos públicos devam ser
conduzidos, evitando-se cuidadosamente que os alunos tenham qualquer
conhecimento quanto à maneira pela qual são eles realmente conduzidos. Quando
se tornam adultos e descobrem a verdade, o resultado é, com muita freqüência,
um cinismo completo, no qual se perdem os ideais públicos – ao passo que, se
lhes tivessem ensinado meticulosamente qual a verdade e feito, quando ainda
bastante jovens, os comentários adequados, poderiam ter-se tornado homens
capazes de combater males que, tal como são as coisas, não lhes despertam mais
do que um complacente alçar de ombros.
A idéia de
que a falsidade é edificante é um dos pecados que assediam aqueles que elaboram
os planos educacionais. Eu não consideraria que um homem pudesse ser um bom
professor a menos que ele estivesse firmemente resolvido, no exercício de sua
profissão, a não ocultar a verdade devido ao fato de não ser ela considerada
“edificante”. A espécie de virtude que pode ser produzida pela ignorância
protegida é demasiado frágil, rompendo-se ao primeiro contato com a realidade.
Há, neste mundo, muitos homens que merecem admiração, e seria bom que os jovens
aprendessem a ver as razões pelas quais esses homens são admiráveis. Mas não é
bom ensinar-lhes a admirar patifes ocultando a sua patifaria. Pensa-se que o
conhecimento das coisas tais como são conduzirá ao cinismo, mas o mesmo poderá
acontecer se o conhecimento chegar subitamente a causar surpresa e horror. Se
vier, porém, gradualmente, devidamente entremeado com o conhecimento do que é
bom, no decurso de um estudo científico inspirado pelo desejo de se chegar à verdade,
não terá tal efeito. De qualquer modo, contar mentiras aos jovens, os quais não
dispõem de meios para verificar o que se lhes diz, é coisa moralmente
indefensável.O que, antes de mais nada, um professor deveria procurar produzir
em seus alunos, se se quiser que a democracia sobreviva, é a espécie de
tolerância que nasce do empenho de se compreender aqueles que são diferentes de
nós. Constitui, talvez, um impulso natural encarar-se com horror e aversão
todas as maneiras e costumes diferentes daqueles com que estamos habituados. As
formigas e os selvagens condenam os estranhos à morte. E aqueles que nunca
viajaram, quer física, quer mentalmente, acham difícil de se tolerar as
maneiras estranhas e grotescas de outras nações e de outras épocas, bem como outras
seitas e outros partidos políticos.
Esta espécie
de intolerância ignorante é a antítese da visão civilizada, constituindo um dos
mais graves perigos a que está exposto o nosso mundo superpovoado. O sistema
educacional deve ter por objetivo corrigir tal coisa, mas pouquíssimo se fez
nesse sentido até o momento. Em cada país, o sentimento nacionalista é
encorajado, ensinando-se às crianças das escolas – coisa em que elas se acham
bastante prontas a acreditar – que os habitantes de outros países são moral e
intelectualmente inferiores aos do país em que os escolares vivem. A histeria
coletiva, a mais louca e cruel de todas as emoções humanas, é encorajada, em
vez de ser desencorajada, sendo os jovens incentivados a acreditar naquilo que
ouvem com freqüência dizer, em lugar de acreditarem naquilo em que há uma base
racional para se acreditar. Em tudo isso, não se deve censurar o professor.
Eles não são livres para ensinar o que desejam. São eles que conhecem mais
intimamente as necessidades da juventude. São eles que, mediante contato
diário, se interessam pelos jovens. Mas não são eles que decidem o que deverá
ser ensinado ou quais os métodos didáticos que deverão ser adotados. Deveria
haver muito mais liberdade do que a que existe na profissão de professor.
Deveria haver muito mais oportunidades de autodeterminação, mas independência
quanto à interferência de burocratas e intolerantes. Ninguém consentiria, em
nossos dias, que se sujeitasse os médicos ao controle de autoridades que nada
entendessem de medicina e tencionassem dizer-lhes de que maneira deveriam
tratar de seus pacientes, exceto, naturalmente, quando se apartassem
criminosamente do propósito da medicina, que é o de curar o paciente. O
professor é uma espécie de médico cujo propósito é curar o paciente de
infantilidade, mas não lhe permitem decidir por si mesmo, baseado em sua
experiência, quais os métodos mais apropriados para tal fim. Algumas poucas
universidades históricas, pelo poder de seu prestígio, asseguram uma
autodeterminação virtual, mas a imensa maioria das instituições educacionais se
acha tolhida e controlada por homens que não compreendem o trabalho em que
estão interferindo.
A única maneira de se impedir o totalitarismo em
nosso mundo altamente organizado, é assegurar um certo grau de independência
aos indivíduos que realizam trabalho público útil, e entre tais indivíduos os
professores merecem lugar de destaque.O professor, como o artista, o filósofo e
o homem de letras, somente pode realizar adequadamente o seu trabalho caso se sinta
como indivíduo dirigido por um impulso criado íntimo, e não sentindo-se
dominado e agrilhoado por um autoridade externa. É muito difícil de
encontrar-se, em nosso mundo moderno, um lugar para o indivíduo. Pode ele
subsistir no alto como ditador num Estado totalitário ou como magnata
plutocrático num país de grandes empreendimentos industriais, mas no reino do
espírito está se tornando cada vez mais difícil preservar-se a independência
das maiores forças organizadas que controlam as existências de homens e
mulheres. Caso se queira que o mundo não se veja privado do benefício a ser
auferido de seus melhores espíritos, terá ele de encontrar algum método que
lhes permita, apesar da sua organização, escopo e liberdade. Isso envolve uma
abstenção deliberada por parte daqueles que dispõem do poder, bem como uma
percepção consciente de que há homens aos quais se deve dar liberdade de ação.
Os Papas da Renascença puderam sentir desse modo com respeito aos artistas
renascentistas, mas os homens poderosos de nossa época parecem experimentar
maior dificuldade em sentir respeito pelas criaturas dotadas de talento
excepcional. A turbulência de nossa época é inimiga da fina flor da cultura. O
homem da rua acha-se cheio de medo, não se sentindo, portanto, disposto a tolerar
liberdades que não lhe parecem necessárias. Talvez devamos esperar tempos mais
tranqüilos, antes de que as reivindicações da civilização possam de novo vencer
as reivindicações do espírito partidário. Entrementes, é importante que ao
menos alguns continuem a perceber as limitações, pela organização, do que pode
ser feito. Todo sistema deveria permitir saídas e exceções, pois, se não o
fizer, acabará, no fim, por esmagar tudo o que há de melhor no homem.
RUSSELL, Bertrand. As funções do
professor. In: Ensaios Impopulares.
Tradução de Breno Silveira, São Paulo: Companhia Editora Nacional.